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SociedadeJapão

Por que bônus não ajudará o Japão a aumentar a natalidade

Julian Ryall
17 de dezembro de 2022

Governo japonês planeja presentar pais que tiverem bebês com R$ 3,1 mil. Especialistas criticam que abordagem visando frear declínio populacional não é suficiente diante do alta do custo de vida.

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Jovem segura criança no colo ao lado de idosa no Japão
Nas últimas décadas, os japoneses têm optado por se casar mais tarde e ter menos filhosFoto: David Mareuil/AA/picture alliance

O governo do Japão planeja presentear com 80 mil ienes extras (cerca de R$ 3,1 mil) casais que tenham um filho. A ideia tenta deter o declínio alarmante da taxa de natalidade no país asiático. Porém, críticos ressaltam que o repasse de uma quantia em dinheiro não é suficiente para convencer os japoneses a terem bebês diante do aumento dos preços e da estagnação da renda.

Já outros alegam que combater o problema com dinheiro é uma abordagem que já foi empregada no passado e pouco adiantou. Por isso, é improvável, segundo eles, que a ideia funcione agora.

Atualmente, no nascimento de um bebê, os pais no Japão recebem do governo 420 mil ienes (cerca de R$ 16,2 mil). O Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão propôs aumentar esse valor para 500 mil ienes, a partir de abril do próximo ano.

A iniciativa surge após a divulgação de estatísticas preocupantes sobre a população japonesa. Em 2021, foram contabilizados no país 125,7 milhões de japoneses, abaixo do pico de 128 milhões registrado em 2017, quando um estudo da revista científica The Lancet previa que a população japonesa total diminuiria para 53 milhões até o final deste século. O estudo foi feito antes da pandemia de covid-19.

Criança custa caro

Os números do estudo parecem agora ser otimistas devido aos problemas que o país enfrentou com a pandemia e o impacto da guerra na Ucrânia na economia global. Nas últimas décadas, os japoneses têm optado por se casar mais tarde e ter poucos filhos – uma decisão tomada em grande parte devido a preocupações econômicas.

Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em setembro, apenas 384.942 bebês nasceram no país nos seis primeiros meses do ano, uma queda de 5% em relação ao mesmo período do ano passado. A pasta prevê ainda que o número de nascimentos ficará abaixo dos 811.604 registrados em 2021, e, quase certamente, não atingirá, pela primeira vez desde o início da contagem, em 1899, a marca de 800 mil.

"O dinheiro que recebemos do governo foi definitivamente útil quando meu filho nasceu e somos gratos, mas essa soma não cobriu todas as minhas despesas hospitalares", contou Ayako, uma dona de casa que vive em Tóquio. Segundo ela, sua situação foi complicada por ter precisado de uma cesariana.

No entanto, o custo médio para se ter um bebê no Japão fica em torno de 437 mil ienes (cerca de R$ 16,9 mil), de acordo com o jornal japonês Mainichi.

Idoso japonês andando numa rua de Tóquio
Em 2021, população japonesa ficou em 125,7 milhõesFoto: David Mareuil/AA/picture alliance

"Já conversamos sobre ter outro filho e gostaríamos de ter, mas, no momento, eu e meu marido concluímos que isso não é realmente possível", afirmou Ayako. "Eu diria que 80 mil ienes seriam úteis, mas até onde vai isso na realidade? Um bebê precisa de roupas e comida. Eles crescem rápido e precisam de cada vez mais", disse.

"Parei de trabalhar, e isso afetou o que ganhávamos. E apesar de meu marido ter um emprego estável e ganhar o mesmo que ganhava antes da pandemia, os preços das coisas básicas, como comida e combustível, aumentaram muito nos últimos meses", acrescentou Ayako.

"Abordagem míope"

O governo federal, autoridades regionais e municipais já ofereceram vários incentivos para encorajar os japoneses a terem famílias grandes – incluindo a oferta de carros e de moradia em regiões rurais, onde a queda populacional é mais acentuada. A maioria das propostas, no entanto, é de benefícios em dinheiro.

Na avaliação de Noriko Hama, professora de Economia da Universidade Doshisha, em Kyoto, esse tipo de abordagem "é míope" e falha ao não enfrentar os problemas mais amplos vividos pelos jovens casais do país.

"Isso não vai resolver os problemas que o Japão, como nação, enfrenta. Não é uma questão de jogar dinheiro para os jovens casais e esperar que eles tenham mais filhos.  É uma questão de falta de uma infraestrutura social que permita que as pessoas se sintam seguras o suficiente para ter filhos", argumentou.

"No momento, os japoneses estão descontentes com o ambiente no qual eles terão que criar os filhos e, enquanto isso não melhorar, a taxa de natalidade não vai se recuperar", acrescentou a especialista.

Há anos, o Japão enfrenta uma escassez de vagas em creches, o que, segundo Hama é irônico por haver tão poucas crianças. Além disso, eventos escolares, atividades esportivas e extracurriculares também custam dinheiro.

Governo distante da realidade

Um dos principais gastos para os pais é o das aulas extras conhecidas como juku, voltadas a garantir que as crianças entrem em uma boa escola secundária e depois numa boa universidade. O ensino superior no Japão dura geralmente quatro anos e também pode drenar os recursos das famílias, mesmo se o estudante trabalhar meio período.

E com salários praticamente inalterados em mais de uma década e os custos diários subindo com a inflação, as pressões são maiores do que nunca, afirmou Hama.

"É típico que um novo governo na longa fila de governos tenha concluído que injetar dinheiro é suficiente para que o problema se resolva. Eles estão completamente distantes da realidade dos japoneses, e temo que não sintam suas inseguranças, medos e necessidades", acrescentou.

Para a especialista, a situação não mudará enquanto não houver um governo que reconheça as necessidades da população.